sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A Parábola do Oleiro



Por Polaris


Era uma vez um homem que fazia tijolos. Todos os dias ele se dedicava a fazer cem tijolos perfeitos. Ele fazia esses tijolos de barro, areia e água. E todos os dias ele secava seus tijolos ao sol, esperando obter uma determinada retidão nas bordas e nos cantos: um certo senso de perfeição.

Todos os dias, após ter feito os cem tijolos, ele pegava os tijolos que havia feito nos dias anteriores,que já estavam secos, duros e prontos para serem usados,e eles os empilhava. Ele os empilhava não em colunas, mas em disposições complexas, construindo um muro cada vez mais longo e alto ao redor de sua casa, a qual também era a sua oficina.

Esse muro começou a tomar uma forma. Ele tinha forma. Ele tinha curva. Ele tinha beleza. O homem variava a disposição dos tijolos, cada tijolo combinando com o próximo, de tal modo que a luz se lançasse sobre essa composição de tijolos que ele fazia neste muro longo, sinuoso, curvo. A luz descia sobre o muro e criava padrões, imagens que podiam ser vistas quando a luz do sol batia em determinado ângulo ao entardecer.

As pessoas do campo que voltavam para a vila viam este muro tomar uma forma e uma estrutura a cada dia, conforme percorriam o caminho que passava pela casa do oleiro. Todos os dias eles viam um aspecto do muro tomar forma - a luz do sol banhando a disposição das sombras para criar uma nova imagem.

No princípio, a maioria dos aldeãos não percebeu as formas. Eles simplesmente percebiam que ali havia um muro. Então eles começaram a perceber que o muro tinha um agradável efeito artístico. Mas eles não perceberam toda a mensagem das imagens no muro até o ano seguinte. Quando o inverno chegou, os aldeãos foram aos campos com menos frequência. Eles ficavam mais na vila porque não havia trabalho nos campos depois da colheita. No começo da primavera, entretanto, o muro havia crescido, porque o oleiro não ficou parado todo o inverno como os agricultores ficaram.

E então, na primavera, eles começaram - já que agora eles estavam arando e semeando os campos - a ver as formas que tinham começado a se manifestar ao longo daquele muro artístico, sinuoso e comprido. Eles se viam reproduzidos nas sombras das disposições dos tijolos. Eles se viam fazendo coisas que eles jamais sonhariam que alguém mais soubesse que faziam.

O Padeiro se viu com o dedo no prato da balança, fazendo o pão pesar mais e cobrando mais do que devia pelo pão.

O Moleiro viu seus sacos de farinha enchidos parcialmente com serragem.

O Açougueiro se viu destrinchando esqueletos de cães e outros animais encontrados na floresta, ao invés das gordas ovelhas e vacas de que ele dizia que provinha sua carne.

Todos viram seus piores aspectos no muro que o oleiro havia construído.

Os aldeãos não mais queriam passar por esse muro - não àquela hora do dia. Eles ficavam até mais tarde nos campos até que escurecesse e voltavam para casa aborrecidos, cansados e assustados ao passarem pelo muro. Um por um, os aldeãos decidiram que era preciso fazer alguma coisa, pois cada um deles tinha certeza de que todos os outros da vila poderiam ver o seu próprio pior atributo. Ao invés de mudar seu atributo e se tornar honesto, sincero ou bom, cada aldeão decidiu em seu próprio coração que: "não - o que deve ser feito é demolir o muro." Eles não falavam sobre isso entre si, mas nos campos durante o dia, quando o sol estava claro e seus medos ficavam por trás deles, os aldeãos começaram a falar sobre o oleiro.

Eles falavam sobre a qualidade dos tijolos que agora estava "muito inferior" do que era no passado. Eles falavam sobre os favores do oleiro ou que ele agora estava cobrando mais pelos tijolos do que ele deveria cobrar.

Eles culpavam o oleiro pelos seus próprios medos de ineficiência e fealdade.

Mesmo sem terem combinado nada, sob a proteção de uma noite sem lua, eles se reuniram aos pés do muro do oleiro no meio da noite. Cada aldeão estava lá sem saber que mais alguém também estaria. Cada aldeão viu as ferramentas, as marretas e as pesadas maças nas mãos de todos os outros aldeãos. Quando viram uns aos outros reunidos lá, eles souberam o que deveriam fazer.

Eles demoliram o muro.

Eles demoliram a magnífica obra de arte que o oleiro havia feito. Pois, na verdade, ele simplesmente tinha montado disposições que o agradavam. As disposições eram aleatórias: às vezes simétricas, outras vezes não. Mas elas nunca significaram nada em particular para ele. Elas simplesmente eram formas agradáveis que produziam luz e sombra, e rompiam com a monotonia daquele muro sólido e plano.

Os aldeãos se arrastaram até suas casas naquela noite, certos de que seus medos mais profundos não mais seriam trazidos à luz do dia.

Quando o oleiro acordou pela manhã, ele viu a pilha de tijolos e entulho em que seu muro se transformara. Ele decidiu fazer seus cem tijolos naquele dia. Quando já os tinha feito, ele pegou areia em uma mão e barro na outra, e simplesmente juntou suas mãos, formando entre suas mãos a essência do que um tijolo era para ele: algo sólido, algo brando - as duas coisas que em conjunto criam a forma, o formato e a arte.

No dia seguinte já havia tijolos feitos por ele suficientes para começar de novo a construir um novo muro. E foi o que ele fez.

Polaris concluiu com um pensamento embutido nesta história:

Vocês tendem a ver os piores medos de si mesmos refletidos numa superfície simples e inocente. Ver esses medos refletidos e vê-los vir à luz é o que significa a culpa.
Em outras palavras, culpa é atribuir seus piores medos de si mesmos a uma fonte externa de si mesmos.


http://www.polarisrising.com

Tradução: SINTESE
http://blogsintese.blogspot.com/

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SINTESE